11/12/2012
Milhares ocupam as ruas de Apodi e exigem do governo abertura de diálogo e suspensão do projeto
Escrito por: William Pedeira
Cerca de três mil pessoas, em sua grande maioria mulheres, tomaram as ruas do município de Apodi, no Rio Grande do Norte, para expressar seu descontentamento e revolta ao Projeto de Irrigação Santa Cruz do Apodi, conhecido como “projeto da morte”. Um grito de denúncia ecoado pelas centenas de famílias, na iminência de serem expulsas de suas terras e terem sua história apagada, em conjunto com população local e representações políticas nacionais da CUT, Contag, Marcha Mundial das Mulheres e de outros movimentos sociais.
O
ato expressivo fez parte das “24 horas de ação feminista” organizada
pela Marcha Mundial de Mulheres nesta segunda-feira, 10 de dezembro,
quando foi celebrado o Dia Internacional de Direitos Humanos.
A
concentração teve inicio às 8h com a caminhada partindo às 9h30 e
ocupando as ruas de Apodi. Logo após, ocorreu um ato político no centro
do município com a presença de Carmen Foro, vice-presidenta da CUT e
coordenadora de Mulheres da Contag; Rosane Silva, secretária da Mulher
Trabalhadora da CUT; Nalú Faria, coordenadora da Marcha Mundial de
Mulheres; Francisca Antônia de Lima Carvalho (Kika), vice-presidenta do
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi; e Francisca
de Paiva (Ika), moradora da comunidade local. Estas duas últimas
companheiras que têm sido referência na luta contra o projeto. O ato foi
finalizado na chapada do Apodi, quando a manifestação fechou a estrada
por alguns minutos em forma de protesto. “Foi um grande ato com presença
de trabalhadores rurais, sindicatos urbanos, especialmente do SINTE,
estudantes, MST e claro milhares de mulheres da Marcha Mundial e sua
batucada”, relatou Rosane Silva.
Capitaneado
pelo Ministério da Integração Nacional através do Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas (DNOCS) e com investimentos provenientes do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Projeto pretende
desapropriar uma área com cerca de 14 mil hectares, que equivale a 14
mil campos de futebol, para a implementação de um programa de
fruticultura irrigada. Ali, habitam atualmente cerca de 800 famílias
divididas em cerca de 30 comunidades rurais. São grupos populacionais
que possuem aspectos culturais, históricos e sócio-econômicos próprios,
constituindo-se uma referência nacional em produção agroecológica e
familiar.
Em
dossiê-denúncia, entidades locais, nacionais e moradores da região
apontam diversas violações que serão implementadas com projeto:
desrespeito aos direitos humanos, culturais, históricos e patrimoniais
das comunidades que residem na região; degradação ambiental à uma
localidade que possui características de relevo, fauna e flora
peculiares, bem como formações arqueológicas de grande importância para o
patrimônio histórico brasileiro; investimento de dinheiro público em
uma obra onde não há perspectiva de resultado econômico e social, além
de servir como propulsora de uma das maiores tragédias do sertão
nordestino nos últimos anos.
“Este
é o mesmo local onde o ex-presidente Lula anunciou em 2005 o conjunto
de programas Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar) Mulher e Pronaf Agricultura Familiar. Portanto, é uma
contradição muito grande. É a expressão da disputa do modelo de produção
agrícola. É outro programa contrapondo ao projeto de convivência com o
semi-árido e de produções agroecológicas construído ao longo de vários
anos pelas comunidades locais e reconhecido nacional e
internacionalmente. Sabemos que quando o capital quer se estabelecer
passa por cima de tudo”, critíca Carmen.
O custo para construção do projeto ultrapassa os R$240 milhões. Em
momento algum, cita Carmen, as comunidades locais foram chamadas para
expressar sua opinião. Foram apenas comunicadas sobre a construção do
projeto e o consequente remanejamento das ações indenizatórias que
muitas vezes são irrisórias e não compensam todo o prejuízo social,
material, cultural e ambiental.
De
acordo com a dirigente da CUT, após a Marcha das Margaridas realizada
no ano passado, a presidente Dilma suspendeu a assinatura do projeto.
Mas essa suspensão foi logo revista. “Infelizmente, não temos um canal
de diálogoaberto.
Há toda uma preocupação, um empenho nacional em buscar este diálogo com
o governo. Nossa esperança é que com este ato expressivo e sua
repercussão o governo convoque uma conversa com os atores envolvidos. É
um processo incansável de luta até que seja respeitado os direitos da
população local com a suspensão permanente do projeto.“
Informações inconsistentes – segundo
a legislação ambiental vigente, empreendimentos como os perímetros
irrigados precisam passar obrigatoriamente por um estudo aprofundado que
possibilite dimensionar os ataques contra o meio ambiente, assim como
as violações de direitos humanos, históricos e sociais.
Acontece
que no respectivo projeto ficam evidentes as inconsitências e
contradições no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA). Não quantifica os impactos e tampouco oferece
condições reais que possam dimensionar as agressões ao meio ambiente. As
explicitações, segundo o dossiê, se reduzem as imprecisões no âmbito
das possibilidades, não apresentando dados concretos que caracterizam as
violações ao meio ambiente.
São
agressões ao solo por conta do desmatamento de grande área e movimentos
de terra, agressões nas reservas hídricas ocasionadas pelo escoamento
das águas contaminadas por agrotóxico, defensivos agrícolas e
fertilizantes utilizados pela produção da fruticultura irrigada. Em
função do desmatamento e do manejo do solo também poderão ocorrer
problemas de erosão, assoreamento dos corpos de água e falta de controle
no uso de fertilizantes e biocidas, além da salinização do solo
decorrente do manejo incorreto da técnica e do sistema de drenagem.
Há
na área de influência indireta do empreendimento grande associação
fossilífera do período cretáceo, com a presença de fósseis de grupos
vertebrados e invertebrados, cuja importância se ressalta em função de
seu valor histórico, científico e cultural para o estado do Rio Grande
do Norte.
Tais problemas foram apontados no EIA-RIMA somente de maneira artificial, sem nenhuma análise profunda dos impactos.
- Veja aqui o dossiê completo sobre as consequências do Projeto para as comunidades da região.
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